Campanha Censo 2010

A miscigenação racial no Brasil
por: Sueli Carneiro - Correio Braziliense–coluna Opinião

A miscigenação racial presente em nossa sociedade vem se prestando a diferentes usos políticos e ideológicos. Não é assunto que se possa esgotar em um artigo, dada a sua complexidade, mas, em tempos de novo recenseamento, vale a pena levantar alguns de seus aspectos. Em primeiro lugar, a miscigenação vem dando suporte ao mito da democracia racial na medida em que o intercurso sexual entre brancos, indígenas e negros seria o principal indicativo de nossa tolerância racial, argumento que omite o estupro colonial praticado pelo colonizador sobre mulheres negras e indígenas, cuja extensão está sendo revelada pelas novas pesquisas genéticas que nos informam que 61% dos que se supõem brancos em nossa sociedade têm a marca de uma ascendente negra ou índia inscrita no DNA, na proporção de 28% e 33%, respectivamente.

Em segundo lugar, a miscigenação tem se constituído num instrumento eficaz de embranquecimento do país por meio da instituição de uma hierarquia cromática e de fenótipos que têm na base o negro retinto e no topo o ‘‘branco da terra'', oferecendo aos intermediários o benefício simbólico de estarem mais próximos do ideal humano, o branco. Isso tem impactado particularmente os negros brasileiros em função de tal imaginário social que indica uma suposta melhor aceitação social dos mais claros em relação aos mais escuros, o que parece ser o fator explicativo da diversidade de expressões que pessoas negras ou seus descendentes miscigenados adotam para se definirem racialmente tais como: moreno escuro, moreno claro, moreno-jambo, marrom-bombom, mulato, mestiço, caboclo, mameluco, cafuzo, ou seja, confusos, de tal maneira, que acabam todos agregados na categoria oficial do IBGE, pardo! Algo que ninguém consegue definir como raça ou cor. Talvez o termo pardo se preste apenas para agregar os que, por terem a sua identidade étnica e racial destroçada pelo racismo, pela discriminação e pelo ônus simbólico que a negritude contém socialmente, não sabem mais o que são ou simplesmente não desejam ser o que são.
Portanto, essas diferenciações vêm funcionando, com eficácia, como elementos de fragmentação da identidade negra e coibindo que esta se transforme em elemento aglutinador no campo político, para reivindicações coletivas por eqüidade racial, pois, ao contrário do que indica o imaginário social, pretos e pardos (conforme a nomenclatura do IBGE) compõem um agrupamento que, do ponto de vista dos indicadores sociais, apresenta condições de vida semelhantes e igualmente inferiores quando comparadas ao grupo branco, razão pela qual se define hoje, política e sociologicamente, a categoria negra, como a somatória daqueles que o censo classifica como pretos e pardos.
Daí decorre a importância da campanha ‘‘Não deixe sua cor passar em branco'' desencadeada recentemente em Salvador a propósito do censo de 2000, cujo objetivo é a sensibilização dos negros e seus descendentes para a maneira como se vem processando a manipulação da identidade étnico-racial dos negros brasileiros e sobre a importância da assunção da identidade historicamente negada.
A cientista política Melissa Nobel, autora de Matizes de Cidadania: Raça e Censo na Política Moderna, examina como o censo brasileiro tem contribuído para embranquecer o país. Em entrevista à Folha de S. Paulo, Nobles afirma que ‘‘o censo ajuda não simplesmente a contar, mas a criar categorias de raça ou cor''.
Os censos brasileiros historicamente apresentam estranhas dificuldades quanto à identificação da população: alterações nos critérios de classificação da cor ou raça, que dificultam a comparabilidade ou compatibilização dos dados de um recenseamento para o outro, como aconteceu nos censos de 1950, 1960 e 1980; descontinuidade ou omissão no levantamento do quesito como ocorreu no censo de 1970. Essas ‘‘entradas e saídas'' do quesito no censo ou as alterações nas categorias de classificação e, ainda, as poucas tabulações que são divulgadas desagregadas por raça ou cor quando o quesito é coletado, têm postergado o aprofundamento do conhecimento sobre as desigualdades raciais no Brasil.
A ciência vem revelando a falácia do conceito de raça do ponto de vista biológico. Essa constatação científica tem sido utilizada para minar as reivindicações de políticas específicas para grupos discriminados com base na ‘‘raça'' ou na cor da pele . As novas pesquisas destroem as bases do racialismo do século XIX, que consagrou a superioridade racial dos brancos em relação a outros grupos humanos, justificando opressões e privilégios, mas elas ainda não têm impacto sobre as diversas manifestações de racismo em ascensão no mundo inteiro, e na persistente reprodução de desigualdades que ele gera, o que reafirma o caráter político do conceito de raça, a sua permanência e atualidade a despeito de sua insustentabilidade do ponto de vista biológico.

Referência: http://www.geledes.org.br/sueli-carneiro/a-miscigenacao-racial-no-brasil.html



CENSO 2010: BAMIDELÊ LANÇA CAMPANHA PELA AFIRMAÇÃO DA NEGRITUDE

A Bamidelê - Organização de Mulheres Negras na Paraíba lançou na noite de 28 de julho a Campanha de afirmação da identidade negra no Censo 2010. A organização visa assim, estimular as pessoas com ancestralidade africana ou negra se auto-declararem pretas ou pardas, a partir do Slogan: "Moren@ não, Eu sou negr@!"
O evento fez parte das atividades referentes ao dia 25 de julho - Dia da Mulher Negra da América Latina e do Caribe e dia de Teresa de Benguela e da Mulher Negra no Brasil. Anualmente a organização realiza comemorações para lembrar a data e a luta da mulheres negras na Paraíba.
O lançamento ocorreu no auditório do FECOMÉRCIO  no centro da capital paraibana e contou com a participação do grupo de cirandeiras da Comunidade remanescente de quilombo Caiana dos Crioulos e da cantora paraibana Cida Alves.
Durante o evento foi divulgada a aprovação da lei que cria o Dia da Mulher Negra na Paraíba, notícia que foi fortemente aplaudida pelos e pelas presentes.
A campanha se realizará durante o período da coleta de dados do Censo(agosto - dezembro)


BAMIDELÊ NO CENSO 2010

A Bamidelê - Organização de Mulheres Negras na Paraíba há dez anos pauta as questões racial e de gênero na Paraíba, através da denúncia do racismo e da afirmação da Identidade Negra contribuindo para a elaboração de políticas públicas de ações afirmativas. Nesta ano, lança a Campanha Eletrônica: "No Censo 2010, afirme sua negritude. Moren@, não. Eu sou negr@!", como parte de suas estratégias políticas de enfrentamento ao racismo e promoção da igualdade racial no Estado.
Retomando a campanha publicitária de 2009, intitulada Campanha de Promoção da Identidade Negra na Paraíba, a Bamidelê reconhece a importância de afirmar a identidade racial como forma de valorização da diversidade e de recuperação da auto-estima da população negra. A organização visa estimular a declaração da característica cor/raça no censo 2010 para positivar a presença do segmento negro na sociedade e assim contribuir na formulação de políticas públicas de ações afirmativas.
A campanha se une a outras iniciativas realizadas no país, tais como a campanha "Não deixe sua cor passar em branco"(1991) e a campanha "NO censo 2010: quem é de axé diz que é!", dando continuidade à luta do movimento negro da década de 1970 de denúncia do falso "mito da democracia racial" e de exposição da realidade de profunda desigualdade racial no Brasil.
Acreditando na estratégia de pautar a mídia eletrônica, como espaço de forte integração global, apresenta a campanha "No Censo 2010, afirme sua negritude. Moren@ não, Eu sou negr@!" na pespectiva de gerar uma crescente afirmação da identidade negra, assim como contribuir para o reconhecimento do racismo nas relações sociais e a importância das políticas de ações afirmativas.

O CENSO E O QUESITO COR E RAÇA

O censo representa a mais extensa forma de coleta de dados por envolver todos os domicílios e habitantes do Brasil permitindo a construção de um possível retrato da população brasileira. Sua realização pelo IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, criado em 1937, é legitimado pela lei n 5.534/68, na qual torna obrigatória a prestação das informações assim como assegura o sigilo das mesmas.
Suas informações, colhidas de dez em dez anos, são importantes uma vez que subsidiarão os gestores públicos na formulação de políticas públicas, na melhoria dos Serviços Públicos, além de contribuir para embasar a luta de vários movimentos sociais. Este ano o censo entrará na sua XII edição com a utilização de novas tecnologias, o que facilitará ainda mais os seus trabalhos. Essa pesquisa de grande relevância pública traz informações que permitem o estudo das características da população, dentre estas o quesito cor e raça, que sendo categorizada contribuirá na construção de políticas de ações afirmativas, assim como no reconhecimento dos vários grupos étnicoraciais formadores da sociedade brasileira.
A característica cor/raça nem sempre esteve presente nos censos do Brasil. No primeiro censo de 1872 e no de 1890 o quesito "raça" era incoporado, contudo como forma de separar a sociedade entre livres, escravos e libertos. Em 1900 e 1920 havia sido suprimido, retornando em 1940, agora sobre a idéia de cor. Em 1970 o quesito cor é reafirmado pela grande campanha  nacional do Movimento Negro: "Não deixe sua cor passar em branco", marcando nova linha de luta política desse movimento a partir da afirmação da identidade com a resignificação positiva do termo negro(a) e a negação do mito da democracia racial. Neste mesmo ano, o censo incorpora duas novas categorias: indígenas e amarelos.
No Censo 2000, cor e raça são colocados como sinônimos, por ser, segundo IBGE, entendida de forma bastante diversa, sendo categorizada em preto, pardo, amarelo ou indígena. Com estas cinco opções as informações dão um panorama racial da sociedade brasileira. O IBGE adotou estas categorias com base nas pesquisas realizadas pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio PNAD(1976) e pela Pesquisa Mensal de Emprego PME(1998) que buscou perceber como se dava esse reconhecimento deixando o entrevistado responder livremente, assim como se embasou nas várias discussões promovidas junto com o Movimento Negro.
A partir da auto-declaração os entrevistados(as) optam pela cor/raça. Sendo considerados negros(as) aqueles e aquelas que se auto-declararem preto(a) ou pardo(a). A importância de afirmação da identidade racial tem um sentido político, histórico e valorativo, uma vez que fazendo parte de uma luta política, contribuir para a desconstrução das bases constitutivas do racismo, mantenedora de uma cultura escravista e colonialista de formação da sociedade brasileira. Reconhecer a heterogeneidade da população brasileira é valorizar uma cultura de respeito à diversidade, assim como reconhecer as particularidades de sua população de forma a garantir direitos historicamentes negados, com a formulação de ações afirmativas.