terça-feira, 14 de setembro de 2010

Entrevista com Solange Rocha

Solange Rocha - Professora Doutora do Departamento de História da UFPB. Recebeu prêmio de melhor tese pela ANPUH, em 2009, intitulada "Gente Negra na Paraíba Oitocentista". Ativista do Movimento Negro, fundadora da Bamidelê - Organização de Mulheres Negras na Paraíba. 

BAMIDELÊ: Para você, o que significa assumir a identidade negra? Por que afirmar a negritude num país considerado miscigenado?
SOLANGE ROCHA: Assumir ser pessoa negra, ou seja, ter ascendência africana, num país que historicamente defendeu um projeto de embranquecimento da população brasileira, como maneira de se “civilizar”, de se “modernizar”, é sem dúvida, um posicionamento político. É também uma forma de afirmar que, apesar do Brasil ser mestiço, essa mestiçagem é composta por uma maioria negra – pretas/os e parda/os. No caso do Paraíba, temos uma população negra acima da média nacional (45,3%), pois somos, segundo dados do Censo 2000, 56,2% e, do PNAD 2008, houve um aumento para 63,3%.

BAMIDELÊ: Qual a importância de afirmar a identidade negra no censo 2010?
SOLANGE ROCHA: É crucial informarmos a nossa cor ou grupo etnicorracial no Censo de 2010 porque os dados serão fundamentais para darmos continuidade a implementação de políticas públicas específicas para a população negra. Essa especificidade de políticas ainda precisa ser consolidada, dado seu surgimento  recente, tendo como marco os anos 2000, após mais de 20 anos de ação política dos movimentos sociais negros brasileiros e do marco internacional da realização da Conferência Mundial contra o racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlatas/2001, ocorrida na (simbólica) África do Sul.  As informações obtidas permitem se ter um mapeamento da presença negra em todo o território nacional e, assim, subsidiar as políticas públicas, ou seja, assegurando nossos direitos e o Estado brasileiro estará reparando a impagável dívida social que tem com o nosso grupos social, materializada, na atualidade, nas desigualdades raciais em todos setores da vida social brasileira.    

BAMIDELÊ: Pelas últimas estatísticas há uma tendência de crescimento do percentual da população negra na sociedade brasileira, como você analisa esse fenômeno?
SOLANGE ROCHA: Creio que o crescimento de pessoas negras assumirem sua ancestralidade africana vincula-se a, sobretudo, a ação política dos movimentos sociais negros brasileiros que contribuiu para a construção de uma idéia positiva de ser negra/ser negro, seja via a contestação da educação eurocêntrica – resultou na Lei Federal 10.639/03 –, seja através de manifestações culturais – religião, literatura, capoeira, música e dança, imprensa negra, teatro, cinema, etc. –, seja nos debates políticos – Assembléia Constituinte, elaboração de leis específicas para a população negra em todas as áreas – entre outras, que ressoaram/ressoam pela sociedade e atingem de forma positiva mulheres, homens, crianças e idosos que (re)pensam sua identidade e se sentem mais seguros na defesa de seus direitos.

BAMIDELÊ: Na Paraíba, 63,3% da população é formada por negros (as). Como você percebe a inserção dessa população na sociedade paraibana e relação deste percentual com o acesso aos direitos e políticas públicas no estado?
SOLANGE ROCHA: Resido há mais de 20 anos na Paraíba, especificamente em João Pessoa, e observo que o racismo aqui está muito cristalizado. É muito difícil a ressonância do debate nacional, sobretudo entre a elite paraibana. Posso exemplificar com a luta/processo de se aprovar as cotas na UFPB. A sociedade civil, representada por movimentos e organizações negras, iniciou o debate na UFPB, em 2002 (1º Seminário Políticas Públicas para Afrodescendentes, no CCHLA e, em 2003, tivemos o 2º Seminário Políticas Públicas para Afrodescendentes, no CCHLA), porém, somente em 2007, a comunidade universitária passou a discutir o tema, instigada que foi pela primeira proposta de adoção de políticas de cotas, que foi amplamente recusada pelos vários Centros da UFPB, única foi o Centro de Educação. Três anos depois, em março de 2010, tivemos a aprovação das cotas, sendo que o “máximo” de avanço foi à adoção de cotas sociais com recorte etnicorracial. Essas ainda tem como exigência que a aluna ou o aluno tenha estudado 6 anos em escola pública, ou seja, teremos que buscar no sistema de ensino a/o estudante mais vulnerável para adentrar na UFPB, visto que são poucos jovens e adultos negros (e também indígenas) que conseguem manter-se na escola, a maioria ingressa no mercado de trabalho. Cotas raciais, a intelectualidade não quis nem discutir.Isso significa dizer que, no caso das cotas na UFPB, o racismo deixou de ser central e a elite paraibana não aceita que as desigualdades raciais são estruturantes na nossa sociedade. Enfim, para se buscar caminhos mais eficazes para superar o racismo, precisamos avançar e reconhecer QUE SOMOS RACISTAS.  Não quero passar uma idéia pessimista, mas é dura a luta de opor-se ao racismo na Paraíba e os avanços são poucos e aparecem após muito tempo, a exemplo da aprovação da política de cotas. Contudo, sinto-me estimulada em saber que há possibilidades concretas da entrada de negras/negros na UFPB. Frente à conjuntura que enfrentamos, sentirei vitoriosa se conseguirmos colocar 1 pessoa negra em cada curso da UFPB. Nesse sentido, estaremos contribuindo para mudanças nas vidas de pessoas negras e na nossa sociedade.