terça-feira, 6 de março de 2012

Comunidade Quilombo dos Macacos divulga carta

A comunidade quilombola de Rio dos Macacos, na Bahia, divulga Carta ao povo brasileiro, pedindo apoio para se manterem em seu território tradicional. Situada próximo a um condomínio da Marinha brasileira, a comunidade está sendo ameaçada de despejo pela força armada. Várias famílias vivem no local há mais de 100 anos. Confira documento divulgado e assinado pelo Movimento Negro Unificado e pela Frente Nacional em Defesa dos Territórios Quilombolas.

Mais uma vez em nosso país, assistimos ao descumprimento dos direitos das comunidades quilombolas! O quilombo do Rio dos Macacos, na Bahia, tem data de desocupação marcada: 04/03/2012. Trata-se de pessoas que estão vivendo nestas terras há mais de cem anos, resistindo a diversas dificuldades impostas pela Marinha Brasileira. A Constituição garante, no artigo 68 das disposições transitórias, a demarcação, titulação e posse das terras ocupadas por remanescentes quilombolas, possibilitando a continuidade destas comunidades, que devem ser consideradas como a prova maior do símbolo de luta contra a escravidão, no passado, e o racismo, no presente. A Marinha do Brasil mais uma vez mostra que é uma instituição contrária aos negros, vide os exemplos da Revolta da Chibata, dentre outros. A desocupação do Quilombo de Rio dos Macacos, na Bahia, é um desrespeito aos tratados internacionais assinados pelo Brasil, a exemplo da 3ª Conferência Mundial contra o Racismo, ocorrida em Durban, na África do Sul, em 2001 a Convenção 169 da OIT, Guardadas as devidas diferenças, mais uma vez o crime cometido contra a comunidade do Pinheirinho vai se repetir. Nós, Quilombolas, Negros(as), militantes contra o racismo de todas as etnias organizados através da Frente Nacional em Defesa dos Territórios Quilombolas - nos posicionamos contra essa arbitrariedade, e chamamos a sociedade em geral , a todas as organizações do Movimento Social e Social Negro para protestar contra esse flagrante desrespeito aos quilombolas e ao povo brasileiro. Lembramos que a presidente Dilma não pode permitir que esta ação ocorra embaixo dos seus olhos, em local próximo ao escolhido por ela e outros Presidentes para passar suas férias. Não permitiremos que esta desocupação ocorra. Somos todos quilombolas, somos todos Quilombo do Rio dos Macacos!
Movimento Negro Unificado – GT de Lutas, Autônomo e Independente
Frente Nacional em Defesa dos Territórios Quilombolas.

Entenda o caso:
Há mais de 100 anos, famílias quilombolas vivem na região do Rio dos Macacos. Elas são alvo constante de ameaças por parte da Marinha do Brasil, que possui um condomínio na área e querem expandi-lo, expulsando os quilombolas de lá. A Marinha já promoveu perseguições, destruição de casas no Quilombo, e impede a entrada e saída de pessoas no local. Até mesmo agentes do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), responsável pela titulação de áreas quilombolas, foram impedido de entrar no Rio dos Macacos.
Em 2009 a comunidade recebeu uma ordem de despejo, entretanto, com o reconhecimento da área quilombola, o prazo se estendeu até o dia 04/03/2012. No último 27 de fevereiro houve uma reunião para que a ordem de despejo fosse revogada por cinco meses, até a conclusão do relatório do Incra, porém não há certeza de que esse acordo será cumprido.

segunda-feira, 5 de março de 2012

Documentário mostra a escolha da rainha do Ébano no bloco Ilê Ayê



Por Ceiça Ferreira, via Portal Geledes
Dirigido por Carolina Moraes-Liu, o documentário “Deusa do Ébano: rainha do Ilê Ayê”,  registra a participação de três jovens, Joseane, Talita e Aurelina no concurso da beleza negra, promovido pelo Bloco Ilê Aiyê, considerado "o mais belo dos belos".
São vozes femininas que contextualizam a importância desse evento para a cidade, e para as mulheres negras, trata-se de "um acontecimento, que fará o Curuzu tremer", no qual será escolhida a Deusa do Ébano: a Rainha do Ilê Aiyê, título que vai além de ser eleita a mais bela, compreende o reconhecimento da mulher negra, exatamente em Salvador, chamada de "Roma Negra". Mas as estatísticas e também as falas de Arany Santana e Vovô (respectivamente, diretora e presidente do Bloco) nos situam sobre a realidade que existe na capital baiana, marcada pelo racismo e pela profunda desigualdade social.
É nesse contexto que acompanhamos o desejo e o empenho que essas três jovens dedicam a esse concurso. Para Aurelina, significa a conquista de mais espaço para a mulher negra e por isso também entende sua responsabilidade dentro dessa comunidade. Ela que já está concorrendo há quatro anos revela: "Esse sonho já passou por cima de mim [..] Eu desejo mais do que tudo". E assim como ela, também Ninha que com a experiência de quem já participou várias vezes do concurso e foi premiada como princesa, agora a ensina-lhe a dançar.
Joseane (outra candidata que o curta acompanha) afirma: "O concurso mostra a beleza que nós temos, ainda pouco valorizada pelas agências de modelo", que semelhante à mídia e ao cinema privilegia um ideal de beleza eurocêntrico.
Essa histórica condição de subalternidade que a mulher negra é submetida consolida o significado desse concurso, que segundo Arany "tornou mais fácil ser negro em Salvador". Contra o racismo e a invisibilidade, surge essa proposta de afirmação e orgulho da negritude, e também suas raízes com a cultura e a religiosidade de matriz africana. É dentro do candomblé que o bloco Ilê Aiyê nasceu, e a ele deve sua existência, se inspira em seu rico patrimônio simbólico (cores, ritmos, mitos, valores, fazeres e princípios).
É também no candomblé, observando a dança dos orixás, que Ninha afirma ter aprendido dançar o ijexá e o jincá (ritmos tocados durante o xirê, estrutura em forma de círculo que organiza a sequência de cantigas e danças dedicada a cada orixá), necessários para a apresentação na noite da beleza negra. Logo, participar do concurso significa poder mostrar em essa origem e religiosidade negra, algo extremamente relevante em Salvador, onde apesar da baiana e de outros elementos da cultura afro serem "vendidos" como orgulhosos atrativos turísticos, ainda prevalece a intolerância ao povo-de-santo.
E essa exigência de saber dançar também pode ser entendida uma oportunidade de mostrar uma corporeidade específica, uma maneira diferente de lidar com o corpo, com qual expressa sua memória coletiva e ancestral. Como ressalta a historiadora e poetiza Beatriz Nascimento, no filme "Orí". "A memória são conteúdos de um continente, da sua vida, da sua história, do seu passado, como se o corpo fosse o documento, não é à toa, que a dança para o negro é um momento de libertação. O negro não pode ser liberto, enquanto ele não esquecer no gesto que ele não é mais um cativo".
Por essas razões compreendemos como a dança é tão importante, e se faz presente desde os oito anos na vida de Talita (também uma participante do concurso), que concilia a profissão de professora com o curso de dança. Ela, juntamente com Joseane, Aurelina e tantas outras jovens, com diferentes histórias de vida compartilham um só desejo: ser rainha de Ébano, aquela que representa o Ilê Aiyê no carnaval.
Pelo documentário, acompanhamos a ansiedade e a preparação dessas três candidatas ao título de Rainha do Ébano, o aprendizado das danças, as etapas de seleção, a produção do figurino e o momento mais esperado, a noite da beleza negra. E sem dúvida, essas mulheres estão mais lindas do nunca, estão odara (palavra iorubá que sintetiza a ideia de beleza suprema, que compreende ainda a bondade e a funcionalidade. Odara é bom, belo e útil).
 O filme mostra a apresentação de várias participantes, sequências que nos envolvem. Impossível não se emocionar com a apreensão, a alegria e o choro delas nesse momento tão especial. E a escolhida daquele ano, subiu novamente ao palco e agora com o título de Deusa do Ébano, Rainha do Ilê Aiyê dança majestosamente.
Duas semanas depois, essa rainha representou o bloco no carnaval, de maneira exuberante ela apresentou no figurino e na delicadeza de seus movimentos corporais o enredo do Ilê Aiyê naquele ano.
"O Ilê acertou quando criou a noite da beleza negra, porque independente dessa afirmação da estética negra, ele elevou nossa auto-estima enquanto mulheres [...] conseguimos que as mulheres dessa cidade se sentissem bonitas", afirma Arany Santana (diretora do bloco). Concordo com ela, pois criar um concurso que afirma e valoriza o feminino já é uma iniciativa louvável, mas quando trata-se do feminino negro, acredito que é também uma atitude política.
Desvalorizadas diante de um padrão de beleza eurocêntrico, obrigadas a se enquadrarem em um lugar social que oscila entre os estereótipos da "mulata" (objeto sexual) e da empregada doméstica, é que essas mulheres negras encontram nesse concurso uma visibilidade historicamente negada, e também onde se reconhecem e são reconhecidas como detentoras de beleza, talento e uma história.
Ao destacar a cultura e religiosidade de matriz africana, nos mais diversos elementos estéticos, como no figurino e na dança das participantes, a noite da beleza negra apresenta também a possibilidade de buscar no universo do candomblé a atuação de nossas percussoras, como Mãe Aninha, Mãe Senhora, Mãe Menininha do Gantois, e também Mãe Hilda, a matriarca do Curuzu, estrela guia da comunidade negra Ilê Aiyê, que assim como tantas outras mulheres negras traziam em comum o desejo de liberdade.
Essa espiritualidade ancestral também nos oferece outros símbolos e figuras míticas femininas. Tão ricas, complexas, altivas e amorosas, como a de Oxum (dona do ouro, da prata e dos mais ricos encantos femininos); a de Iansã (orixá guerreira, mãe protetora, senhora dos ventos e das tempestades); e a de Iemanjá (mãe dos deuses, dos homens e dos peixes; e dona de todas as cabeças, por isso rege o equilíbrio emocional e a loucura).
Inspiradas na força dessas mães negras e na altivez das iabás, continuemos essa história de resistência, lutando cotidianamente contra o racismo e o sexismo, lembrando sempre que "nossos passos veem de longe"



Quilombo dos macacos continua resistindo


Mais uma reintegração de posse num domingo coloca uma população desarmada cercada por agentes da Polícia Militar (PM) em terras tupiniquins. Guardadas as devidas proporções, o Quilombo Rio dos Macacos dentro da Base Naval de Aratu, na divisa entre Salvador e Simões Filho viveu um domingo de Pinheirinho em São José dos Campos. Na manhã deste domingo (04), a tropa de Choque da PM cercou o local, auxiliada por tratores e policiais da base militar da Marinha estão no Quilombo para cumprir uma ordem judicial de reintegração de posse.

Ainda não houve a ação para a reintegração de posse, mas o clima ficou tenso, pois a polícia cercou o local e não permitiu nem mesmo a entrada de integrantes do Movimento Desocupa Salvador, que tentaram distribuir alimentos no local.

Com a pretensão de expandir um condomínio para os seus oficiais no território, a Marinha entrou na justiça com pedido de reintegração de posse da área e o prazo terminou hoje. Porém na última terça (27) em uma reunião entre representantes da Marinha e do governo federal, ficou acordado que o prazo seria adiado por cinco meses, para que pudesse ser finalizado o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e determinar a quem pertence a área e há quanto tempo as cerca de 50 famílias de quilombolas vivem no local.

Impasse - Apesar do impasse, o Governo Federal assegura que os direitos da comunidade serão preservados. Em janeiro, quando a presidente Dilma Roussef esteve de férias na Base Naval, os integrantes da comunidade denunciaram a pressão que vinham sofrendo para que eles deixassem a área, localizada dentro da Vila Militar. Foi feita uma manifestação por cerca de 50 quilombolas na área do pier marítimo de São Thomé de Paripe, com faixas reivindicando à presidente uma "solução" para o conflito de terras.

Segundo a comunidade, na década de 70, quando foi criada a Base Naval de Aratu, começou o problema. Ainda de acordo com os moradores, as famílias vivem no Quilombo Rio dos Macacos desde a época da abolição da escravatura.De acordo com Hugo Dantas, integrante do movimento pró-Rio dos Macacos os moradores não pretendem sair do local. "Imaginamos que isso seja uma ameaça para a desocupação da comunidade, que está aqui há mais de 200 anos. A Marinha chegou depois, há 42 anos. Foram eles, os moradores, que ajudaram a construir a Vila Naval. Eles vivem constrangidos, porque hoje são impedidos de plantar, de colher, de comercializar", comenta.

A corporação ainda não se pronunciou e se limitou a informar que enviaria nota através da assessoria de comunicação da corporação militar, quando tiver autorização para tal. Nós do Câmara em Pauta esperamos que o governo da Bahia interfira energicamente a fim de não repetir o episódio de violação de direitos humanos na reintegração de posse de Pinheirinho, em São José dos Campos, São Paulo.

Confira abaixo a nota oficial publicada pelo governo na data da reunião que adiava a ação de reintegração de posse no local, realizada na última segunda(27).


Representantes da União reuniram hoje (27) com moradores do Quilombo na Bahia

O governo federal assegurou hoje (27), em reunião no Quilombo Rio dos Macacos, na Bahia, que todos os direitos da comunidade serão preservados. Os moradores do território tiveram também a garantia de que a ordem de reintegração de posse emitida pela Marinha do Brasil, prevista para ser cumprida em 04 de março, está suspensa por cinco meses até a conclusão do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

São resultados da audiência realizada na manhã de hoje, na comunidade quilombola Rio dos Macacos, situada numa região limítrofe entre Salvador e Simões Filho e onde moram cerca de 50 famílias.

Além dos moradores de Rio dos Macacos, participaram da audiência os assessores da Secretaria-Geral da Presidência da República, Diogo de Sant’Ana e Nilton Tubino, a secretária de Comunidades Tradicionais da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), Silvany Euclênio, o ouvidor da Seppir, Carlos Alberto de Souza e Silva Júnior, o diretor de Ordenamento de Estrutura Fundiária do Incra, Richard Dorsiano, o diretor do Departamento de Proteção ao Patrimônio Afro-Brasileiro da Fundação Cultural Palmares, Alexandre Reis, e o secretário de Promoção da Igualdade do Estado da Bahia (Sepromi), Elias Sampaio.

Com informações de A Tarde e Correio. Foto, Vilma Reis.